sábado, 1 de dezembro de 2012

NATAIS

NATAIS Desde quando minha memória permite e ela é sempre muito generosa, tenho as melhores lembranças da época natalina. Em minha infância não havia a profusão de luzes chinesas que hoje abrilhantam nossas ruas e casas por R$ 1.99. Poucos se davam ao trabalho ou ao luxo, quem sabe, de ter algum tipo de iluminação que avisasse que o Natal estava chegando. Confesso sem pudor, tinha uma inveja danada de quem tinha um pinheiro iluminado. O nosso só tinha, além das bolas, evidentemente, velinhas coloridas, que eram lindas também, mas que só eram acesas na noite do dia 24. Natal na minha casa era sempre um momento muito feliz, não importando qualquer coisa que tivesse acontecido de ruim durante o resto do ano. Natal era Natal. Era a felicidade suprema. Tudo se esquecia, se apagava. O que vicejava era o cheiro que vinha da cozinha; odores magníficos saíam de lá, nem se almoçava, tanto era a expectativa da ceia. A sala permanecia trancada, era território proibido. Quando pequenos e ainda acreditando em Papai Noel, nunca sabíamos o que iríamos ganhar. Tentávamos espiar pela fechadura ou por um vão da janela, mas era impossível ver alguma coisa no meio de tantos pacotes. Lembro-me de um Natal em especial, eu bem pequena, ganhei de presente um patinete verde bandeira. Coisa mais linda, um pouquinho grande para minha estatura “mirradinha” , mas trouxe-me uma felicidade tal que nem liguei para os outros presentes.
A medida em que íamos crescendo, o Papai Noel foi sendo posto de lado e outro personagem tomaria conta da cena: meu pai. O dia era dele, ou melhor, dezembro lhe pertencia. Sempre exagerado, começava muito cedo a comprar presentes e comidas. As geladeiras ficavam lotadas, na despensa era um risco tentar entrar, pois de repente, assim do nada uma lata de pêssego podia despencar da prateleira sobre alguma cabeça desprevenida. Para ele nunca era suficiente o que tínhamos, ele queria comprar, comprar e comprar. Às mulheres da família cabiam os trabalhos culinários, a arrumação da mesa, detalhes de decoração. Meu pai? Onde ficava meu pai? No quarto de pijama, em sua poltrona, assistindo TV, lendo, bebericando alguma coisinha, indo na cozinha roubar um pedacinho de um assado. Somente ao findar da tarde ele parecia despertar. Era então chegada a hora de ler a Bíblia, porém, somente para os meninos, pois nós ainda estávamos atarefadas na comilança que seria a ceia. Depois era o seu auge. Como um cirurgião plástico, cortava o peru, minuciosamente, separando as partes nobres das não tão nobres e eu decorava as travessas com frutas, farofas, purês e outras delícias. Nossa mesa poderia sem dúvida, fazer parte de uma página de revista natalina, tão farta e bonita era. A sala permanecia fechada até a chegada de todos os convidados. Meus tios eram sempre os últimos a chegar e sem eles não seria Natal. Esse intervalo de tempo era o que sobrava para nos arrumarmos e meu pai, não sei se por “birra” ou qualquer outro motivo sempre deixava para se vestir nos 45 minutos do segundo tempo. Quando enfim, todos chegavam e estando meu pai inacreditavelmente pronto, fazíamos uma fila indiana liderada pela minha tia e partíamos da cozinha em direção à sala, já com a árvore previamente iluminada, primeiro por velas, depois por luzinhas. Era sempre o mesmo ritual: minha tia dava o tom e começávamos a cantar Noite Feliz que não passava da primeira estrofe. Ninguém sabia a letra da e tão pouco alguém tinha voz para entoar toda a canção.
Assim, a solenidade do evento se desfazia em gargalhadas, onde todos se abraçavam. Meu pai ainda conseguia manter uma certa compostura e rezava e agradecia por estarmos todos juntos em um novo Natal. Nunca tivemos o costume de cear à meia noite. Logo após a frustrada tentativa de formar um coral vinha a loucura de abrir os presentes. Muitas vezes, agora já adultos, já sabíamos o que iríamos ganhar, mas fazíamos de conta que nem imaginávamos o que tinha por trás do embrulho. Da sala já quase nada se via, somente papeis coloridos, fitas e os presentes soltos por toda a parte. E a ceia começava, gloriosa, farta, alguns sentados à mesa, espalhados pelos sofás, uns comendo com delicadeza, e um ou outro atracado com voracidade numa coxa do peru. Quando todos se iam, outra festa começava: a da limpeza. Ninguém podia dormir sem antes deixar TUDO devidamente arrumado. Não importava o cansaço de um dia todo trabalhando, nenhum prato poderia ficar fora do armário, nem o mais ínfimo lacinho de fita poderia repousar sobre o chão. Nosso Natal acabava definitivamente na madrugada do dia 25 e aí vinha outro período tão bom e cheio de surpresas quanto aquela noite: a praia, que nos aguardava para 2 meses de férias. Se tenho saudades daqueles tempos? Sim, tenho. O Natal hoje é diferente, muitos já se foram e ficaram somente em nossas lembranças. Mas tenho certeza que meu pai estará no dia 24 descansando em alguma nuvem esperando a hora de cortar o peru.