domingo, 9 de dezembro de 2012

MANHÃ DE EMPREGUETE, TARDE DE MADAME

Nunca consegui me imaginar como uma típica dona de casa, daquelas antes da revolução feminina. Refiro-me àquelas mulheres chamadas "do lar", que viviam somente para a família, tão vigentes até os anos 60, quando rebeladas foram às ruas queimarem sutiãs reivindicando liberdade aos grilhões das panelas e vassouras. Sou da geração pós movimento. Como a maioria das minhas contemporâneas, estudei, trabalhei e como ônus pela minha libertação, ainda enfrentava os cuidados domésticos, mesmo após uma dura jornada tripla de trabalho. Durante anos a fio fui esta mulher, até que por certas contingências de saúde, parei de trabalhar, melhor dizendo, trabalhar fora, exercer uma profissão, pois em casa a labuta continuou a mesma. Mas, acostumada à vida extra-lar, e com bicho carpinteiro correndo solto pelo corpo, volei aos estudos. Impossível me ater somente ao esfregão. É verdade que os bancos escolares me tomavam bem menos tempo e que, portanto, um certo tipo de viver mais calmo foi se instalando em minha rotina. Assim, volta e meia lá era eu cooptada para um chá beneficente, um jantar em prol dos necessitados. Agora, de férias, volto ao tempo em que a mulher era isenta de tantos compromissos e responsabilidades. Assim, pela manhã, dedico-me as tarefas domésticas: limpo, esfrego,lavo roupa, cozinho, cuido dos gatos.
Após o almoço, uma soneca abençoada. Quando acordo, espero que a alma entre de novo no meu corpo, tomo um cafezinho, assisto a reprise de alguma novela ou um programa feminino e aproveito para cuidar de mim. Faço unhas, sobrancelha, limpeza de pele, depilação, essas coisihas básicas. Esta semana fui a um lanche, do Rotary, com minha sogra e uma de suas amigas. Como sempre, todas as senhorinhas da sociedade da cidade lá estavam. Todas como eu, sem compromissos profissionais, aproveitando para por as fofocas em dia, reparando no modelito das colegas, contando da construção da casa nova, da dificuldade em arranjar uma empregada e por aí vai.
Assuntos de relevadas importâncias. Como não podia deixar de ser, houve um desfile de modas, sorteio de brindes e um farto e gostoso lanche. Ontem pude ser, por alguns breves momentos uma "madame". Nada de pensar na roupa que ficou batendo na máquina, nem nas janelas que já estavam programadas para serem limpas no dia seguinte (se não chover, é claro!). A vida de "empreguete, deixei-a em casa.Lá deixei-me contaminar pela leveza, pela futilidade, pelas amenidades. Não se comentou sobre os escândalos do mensalão,a morte de Niemeyer,as guerras do Oriente,a crise da Argentina. Não estou a dizer com isso que as mulheres ali presentes são umas alienadas. Seria infame de minha parte afirmar tal coisa. O que estou querendo colocar é que por vezes é preciso voltar um pouquiho no tempo e nos dar o direito de sermos apenas mulheres preocupadas com amenidades. Tão bom ser "perua", arrumar os cabelos, vestir uma roupa mais alinhada, fazer uma maquiagem mais caprichada, esquecer a maldita dieta e cair de boca nos quitutes.
E ainda de quebra, ajudar o Natal dos menos favorecidos. Alivia a consciência. Foi bacana tirar o avental e me transfigurar de madame, ainda que seja por um dia, até porque não ia aguentar o mesmo pacote todas as semanas.