sábado, 2 de fevereiro de 2013

FUGA AO RAIAR DO DIA

Moro num apartamento de primeiro andar, de cara para rua e se não tomar cuidado acabo por cair dentro de alguma casa da frente. É um bom apartamento, com sacadas envidraçadas e generosas no quarto e na sala;impossível não ver ou ouvir o que se passa seja na rua, seja na intimidade dos vizinhos. Não que eu seja bisbilhoteira, curiosa, fofoqueira ou coisa que o valha, mas admitam, todo mundo gosta de assistir um barraquinho de quando em vez. Faz parte da natureza humana, eu não sou diferente. Para não ver o que acontece em meu entorno só se eu cerrar as janelas e as cortinas e morrer sufocada. Mas de um modo geral, minha vizinhança é toda bem comportada. Gente boa, cada um em seu quadrado, com seu carrinho 1.0 nas garagens. As vizinhas conversam nas calçadas, mas nunca presenciei uma briga, um escândalo, um arranca cabelo, nada. Tudo co-existe na mais santa paz. Exceto uma que faz parte de um conjunto de casas geminadas e que fica bem de frente ao meu apartamento. Conheci a moradora logo que me mudei para cá, coisa de três anos. Mulher ainda jovem, nas faixa dos trinta e poucos anos, generosa de formas, peituda, ancuda. Nosso conhecimento se deu pelo fato dela gostar de cachorros e ter quatro. Assim, unidas pelo mesmo gosto, começamos a conversar e certo dia ela me contou que era separada, tinha dois filhos já entrando na pré-adolesência e estava grávida de seu novo parceiro, que também era separado e também tinha dois filhos da mesma idade dos dela.
Moça simpática, falante, muito diferente de seu companheiro, homem atarracado, cabeça raspada com máquina 0, de fuça sempre amarrada. Sabem aquele tipo de homem caixa? Quadrado, musculoso? Era o próprio.
Nunca soube qual era sua atividade, pois não tinha horário certo para sair ou chegar. Só o via recebendo encomendas via Sedex. Todos os dias, invariavelmente, o Correio batia à sua porta com uma infinidade de caixas. Certo dia, em uma de nossas conversas contou-me ela que estavam há muito pouco tempo juntos; que ela gostava e aceitava os filhos dele; que a ex-mulher era um problema, não aceitava a separação, muito embora já vivesse com outro. Porém, o mais notório deste bate-papo foi saber o quanto ela se regojizava por estar grávida. Não era uma gravidez ensejada pelos motivos óbvios do instinto da maternidade. A criança que ela trazia em sua barriga era seu trunfo. Ela estava muito feliz, pois iria dar um filho ao homem da outra, que a essa altura, estava putíssima com o caso. Achei aquilo muito esquisito. Já vi mulheres que engravidaram por diversos motivos: por realmente desejarem ser mães, por descuido, porque a camisinha furou bem na hora, por quererem dar o golpe da barriga e por aí vai. Mas nunca havia conhecido alguém que engravidou por vingança. Meses depois, nascia uma meninnha, loirinha, a cara do pai. Pai? Tá bom, digamos que sim. As vezes o via passeando com a criança pela rua, mas a medida em que ela ia crescendo, os gestos carinhosos que se espera de um pai de uma criança temporã, iam se transformando em palavras ásperas, falas berradas, impaciência. Aliás, esse era o tom daquela casa. Volta e meia o pau comia na casa de Noca e eu assistia de camarote. Certas ocasiões, a ex-mulher batia palmas no portão e o "furdúncio" começava. "Puta" era o adjetivo mais carinhoso que ele proferia. Só não rolava um MMA e olha que eu trocia. Já que era para assistir um espetáculo, que ele acontecesse com todos os atos, ora bolas! Brigas, muitas brigas entre o casal eram frequentes, bem como discussões acaloradas com a ex pelo telefone. Gente, não pensem que sou uma Maroca que passa os dias a espiar a vida alheia, mas não tinha como escapar: a vida dos meus vizinhos entrava pelas minhas janelas sem pedir licença. Durante essa semana não ocorreu nada que demonstrasse que alguma coisa mudaria na casa da frente. Ontem ainda, os vi, como sempre, em suas atividades rotineiras: o carteiro chegando, as crianças brincando de skate e bicicleta, a família assistindo televisão em seu sofá vermelho (a porta da frente, agora em época de calor,ficava sempre aberta), o entregador de pizza. Tudo absolutamente normal, nenhum movimento que indicasse que em poucas horas eles não estariam mais ali. Aliás, minto, uma mulher com cara de maus bofes chegou à casa, entrou, trocou palavras que pareciam ser nada simpáticas. Hoje acordei tarde e meu marido cedo, ao raiar do dia. Tomando seu café na varanda ele via uma mudança saindo às pressas. Objetos jogados num caminhão, sacos de lixo que provavelmente acomodavam as roupas. Ainda nem havia amanhecido totalmente quando a família se enfiou dentro de seu carro e tomou rumo ignorado.
Do que antes era um "lar", só sobrou um solitário Papai Noel pendurado na sacada do quarto. Ah! a mulher de ontem está lá. Anda de um lado para o outro, com uma cara de desconsolo, percorre os cômodos, fala ao telefone sem parar e revira até o lixo, onde encontrou uma torneira de boa qualidade, que muito provavelmente foi arrancada, pois ela ficou insana quando a viu. Eu penso muitas coisas a respeito, mas por ser muito "ética", prefiro não comentar. Melhor ficar calada e voces tirem as conclusões que quiserem. Eu, com certeza, já tirei as minhas, mas isso é segredo.

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

PARIS ESTÁ SEM LUZ

Minha Nossa Senhora da Misericórdia Francesa, o que aconteceu com a França? Está tudo às escuras. Estariam os franceses voltando à Idade Média, ao tempo das trevas? Onde, por favor, me respondam com urgência máxima, o iluminismo, os ícones da modernidade traduzidos em liberdade, fraternidade e igualdade? Cadê???? Penso que no Cemitério Pere Lachaise, em Paris, os grandes pensadores, intelectuais, artistas, filósofos que ajudaram a cimentar a sociedade moderna devem estar revirando seus esqueletos em seus caixões. De que estou falanado, gente? Ando meio distraída, não tenho assistido ou lido jornais. Quero só amenidades, mas ontem me deparei com uma reportagem na Folha de São Paulo que me deixou estarrecida. Franceses em uma manifestação de grande porte, em frente à Torre Eiffel, pasmem caros leitores, se colocando contra o casamento entre gays. E eu que amei tanto a França, que cultuava sua cultura, agora uma decepção dessas? Sinceramente não esperava. Se isso acontecesse aqui, no meu terceiro mundo, ainda vá lá, mas na FRANÇA????? Voces franceses ficaram doidos? Já não basta o preconceito contra os de origem mulçulmana, os movimentos neo-naziztas, agora isso??? Monsieur le President, François Hollande, por favor, tome uma atitude, urgente!É uma vergonha que em pleno vigor do século XXI ainda persistam pensamentos e posturas como essas. Voces já se esqueceram que intolerâncias semelhantes levaram ao caos de uma Segunda Guerra, da qual voces foram grandes vítimas? Tenham a gentileza de pelo menos honrar os resistentes que lutararm para libertar voces das garras insanas de Hitler. Vão criar vergonha nessas caras e lutar por causas bem mais relevantes e justas. Estou com vergonha de voces; estou com vergonha de mim, do amor que sentia por seu país. PARIS, ACENDA SUAS LUZES, FAÇA JUSTIÇA AO SEU TÍTULO DE CIDADE LUZ. No momento meus caros franceses, voces estão vivendo a luz de velas. Que decepção Santa Brigitte Bardot. Talvez você tenha feito bem em se naturalizar russa. Continuo de luto, agora pelo preconceito, pela intolerância, pela ignorância. No momento para voces, franceses, o meu desprezo. Não vou nem comprar a manteiga La Motte que costuma frequentar minha mesa. É repúdio total. Tenho dito.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

A FUGA

Ontem pranteei os mortos da tragédia de Santa Maria a meu modo. Se fosse em priscas eras, teria passado o dia grudada na televisão assistindo todas as reportagens,os debates, as cenas chocantes, o sofrimento dos parentes. Recusei-me. Não quis ver as labaredas consumindo paredes, sonhos, expectativas, alegria, juventude. Sei como ficam as pessoas queimadas. Já trabalhei em um hospital especializado em grandes queimados e é aterrorizante, para dizer o mínimo. Suas figuras disformes assustam, repugnam, provocam uma comoção que até hoje, passados mais de vinte anos ainda guardo na memória suas feições. Vi a mãe que queimou a filha adolescente que estava grávida; a mulher que traída, tocou fogo em si mesma; o marido que teve o pênis queimado porque traiu sua esposa; o bebê queimado inadvertidamente em seu berço pelo irmãozinho; a menina que quis repetir um quadro de mágica apresentado na TV; um menino cuja tia derramou sobre ele uma panela com óleo quente. Todos morreram, ou ficaram com cicatrizes eternas. Chega! Para mim, o fogo tem ainda um agravante: as chamas que consumiram minha casa ainda brilham céu acima e me queimam por dentro, numa ferida que não tem cura. Assim, vi uma ou outra imagem, um ou outro comentário e empreendi fuga para um lugar mais seguro. Passei o dia fazendo meus álbuns. Tenho vários. Os de fotos, os dos meus pensamentos e sonhos particulares, que chamei de "as coisas e as não coisas de Ana" (roubei essa frase de uma propaganda). Depois, pintei. Não quadros, mas objetos, para decorar minha casa que agora está toda em tons de preto. Sem querer colori tudo dessa cor. Não foi intencional, somente uma triste coincidência. Não há mais nada a ser dito, mas vou terminar este post com a música Paciência, de Lenine. Talvez ela seja um alento. PACIÊNCIA (LENINE) MESMO QUANDO TUDO PEDE UM POUCO MAIS DE CALMA, ATÉ QUANDO O CORPO PEDE UM POUCO MAIS DE ALMA, A VIDA NÃO PARA. ENQUANTO O TEMPO ACELERA E PEDE PRESSA, EU ME RECUSO, FAÇO HORA, VOU NA VALSA. A VIDA É TÃO RARA. ENQUANTO TODO MUNDO ESPERA A CURA DO MAL, E A LOUCURA FINGE QUE TUDO ISSO É NORMAL, EU FINJO TER PACIÊNCIA. O MUNDO VAI GIRANDO CADA VEZ MAIS VELOZ, A GENTE ESPERA DO MUNDO E O MUNDO ESPERA DE NÓS UM POUCO MAIS DE PACIÊNCIA. SERÁ QUE É TEMPO QUE LHE FALTA PARA PERCEBER? SERÁ QUE TEMOS ESSE TEMPO PARA PERDER? E QUEM QUER SABER? A VIDA É TÃO RARA, TÃO RARA..... PS: se eu não fosse analfabeta em computardor baixaria esse vídeo para voces, mas ele está lá, no Youtube. Corram, ouçam, vale a pena. Depois me digam se gostaram.

domingo, 27 de janeiro de 2013

UM NOTURNO CÉU DOURADO

E centenas de famílias mergulhadas na mais profunda das trevas. Viverão, de hoje em diante na mais completa escuridão, que nem sequer a chama de uma vela poderá iluminar. Duzentos e quarenta e cinco jovens mortos; quarenta e oito hospitalizados, vivenciando não só a dor física, pois só quem já trabalhou com grandes queimados pode avaliar o sofrimento de uma queimadura, mas também a dor da perda, pois com certeza, muitos amigos, namorados(as) e irmãos tiveram suas vidas perdidas. Acredito que não tenha uma só pessoa em nosso país que não esteja tocado pela emoção causada pelo trágico incêndio em uma casa noturna, em Santa Maria, no Rio Grande do Sul. Impossível ficar indiferente. Mas este post não vai se ater ao sofrimento. Vou deixar aqui registrada a minha indignação, a minha perplexidade (se é que ainda posso ficar perplexa ante o descaso com o cumprimento das leis de segurança em edificações), a minha raiva não contida diante dos gananciosos que querem ganhar mais por menos e não investem o mínimo necessário para garantir que as pessoas possam se divertir sem correr o risco de acabarem mortas, com seus corpos incinerados, deformados, muitas vezes, impossíveis até de serem reconhecidos pelos seus familiares. Ausência de saídas de emergências adequadas e em número compatível; permissão para shows pirotécnicos em ambientes fechados; excesso de frequentadores e pasmem, o pior de tudo, o impedimento das saída das pessoas antes de pagarem suas comandas. É isso, vidas em trocas de comandas não pagas. Vidas que se foram pois a ceveja não foi cobrada. Que dizer de um proprietário, gerente ou qualquer outro canalha qualquer diante de atitude tão descabida? Como entender os seguranças que impediram que os jovens saíssem porque estavam cumprindo ordens? O que é isso? São discípulos de Hitler que justificavam seus atos insanos porque apenas cumpriam ordens? Só posso pensar que a bestialidade humana não tem limites e que o homem continua mais e mais desumanizado, tudo em nome do dinheiro. Aos responsáveis por essa desgraceira, não tenho clemência. Se fosse eles atearia fogo em seus próprios corpos. Mas isso com certeza não irá acontecer. A essas alturas, já devem estar muito longe de Santa Maria, cercados de "ótimos" advogados que vão, com certeza, livrar-lhes as caras e que serão régiamente pagos pelas comandas cobradas daqueles que conseguiram pagá-las para ter o direito à salvação. A eles, desejo a danação do inferno. Sem dó nem piedade. Simples assim. HOJE NÃO TEM FOTOS. ESTOU DE LUTO.