sábado, 22 de dezembro de 2012

A MEXICANA

Tenho um gato, aliás, dois, mas a menininha não conta, é quase invisível, só quer ficar aninhada em minha cama. Já o Zóio é o rei do pedaço. Além de ser a alegria da casa também se faz conhecido em todo o prédio. Tem síndrome de cachorro, gosta de passear pelo jardim, pede para por a coleira, cheira todos os cantos, faz valer seu instinto de caçador. Assim, com sol ou chuva tenho que levá-lo a passear, sob pena de, se não o fizer, ter que aguentar um concerto de miados desesperados e escandalosos. Assim, enquanto ele tenta caçar borboletas ou pererecas, fico eu a conversar com os porteiros. Em uma das ocasiões, um deles (não aquele que tomava remédios) estava com o Sorriso do Gato de Alice nos Lábios.Agarrado ao celular, como se fosse seu bem mais precioso, contou-me ele que estava apaixonado. Apaixonadao não era bem o termo, estava literalmente de quatro, caído, esborrachado, tombado de amores. Fiquei feliz por ele. É um rapaz bom, ainda jovem, de origem humilde mas com disposição para aprender e crescer. Gosta de ler, tenta aprender outros idiomas. Já é calejado pela vida. Sem pai, casou-se muito novo, teve uma filha, o relacionamento deu em nada, aliás, deixou-o sem nada, pois a mulher tirou-lhe até as meias. Atualmente mora com a mãe, seu salário não permite que alugue um canto só seu, sabe como é, tem a pensão da filha, da ex-mulher que não quer trabalhar, então o que lhe sobra é muito pouco. Não é feio, tão pouco bonito. Diria que é um tipo comum, talvez não tão comum, pois é um pouquinho vesgo de um olho. Mas é agradável na conversa, percebe-se ser uma pessoa delicada, bem intencionada. É sempre gentil no trato. Gosto deveras dele. No entanto, naquela noite, quando me contou de sua paixão, levei um choque. Esperava por uma moça de seu nível, de boa aparência, disposta a ter com ele um relacionamento bacana. Conheceram-se através da internet, já tinha uns dois meses e a loucura do amor havia tomado conta de seus corações. Entretanto, quando ele me mostrou as fotos da criatura em seu celular, não pude crer nem por um segundo que aquilo que ali se apresentava fosse verdade. Imaginem uma Jennifer Lopez mexicana.
Imaginaram? Agora pensem numa Jennifer com doutourado, dona de uma empresa de logística portuária, rica, viajada e com um história de vida extremamente triste. Fora violentada sexualmente quando criança; havia sido traída pelo noivo poucos dias antes do casamento; há mais de cinco anos não se relacionava com ninguém devido ao trauma da traição; tinha tido poucas experiências sexuais, era quase uma virgem. É óbvio, tudo isso poderia ser verdadeiro, quem me garante que não? Que maldade eu pensar que só porque a moça usava roupas de periguete, era totalmente bronzaeda (de cabo a rabo) posava de maneira ultra sensual, tinha comprado em alguma liquidação um par de peitos e também uma retaguarda volumosa, ela não teria direito a ser uma moça com intenções sérias. Dizia-se de uma família ultra conservadora, mas ia trabalhar no porto com uma blusa regata que deixava antever até a cicatriz do silicone.
Muitas das fotos não me foram mostradas, pois segundo o apaixonado, eram ousadas por demais. De pronto aquilo não me bateu bem. Mas para ele batia ( não quero nem pensar o que ele fazia na solidão invernal dentro de uma guarita escura). Não queria lhe tirar as ilusões, mas também não desejava que ele fosse alvo de uma pilhéria (na melhor das hipóteses) ou de alguma coisa bem mais perigosa. Sabem come é, México, drogas, Balneário Camboriú (não se enganem, aqui é rota de tráfico, volta e meia um chefão mexicano é preso em nossas lindas praias). Fiquei preocupada. Tudo o que ele me relatava não fechava, era um quebra-cabeça onde faltava peças. Dentro de muito breve eis que ela está com viagem marcada para cá. Vinha com a família, com a intenção de se casar. Mas assim, em tão pouco tempo? Uma decisão tão séria tomada apenas pela visão de dois peitones que queriam explodir pela tela do celular? E como iriam viver, eu questionava. É óbvio, quem casa quer casa e aquele amor seria tão grande ao ponto dela largar tudo e vir morar num quarto e sala de um bairro humilde e de quebra ainda dividí-lo com a sogra, adotar carinhosamente a filha dele e aguentar os rompantes de uma ex-mulher? Tentava levantar informações, tipo, qual o hotel em que ela ficará hospedada? "Não sei, tá no pacote". Como voces vão passear por aí, já que você não tem carro? Ela vai alugar um? "Não, ela tem uns amigos aqui que vão emprestar uma carro". Que pacote meu filho? Que amigos são esses, descubra os nomes, nós conhecemos muita gente, podemos saber se são pessoas idôneas. Nada!!! Desculpas, evazivas. Era inverno, mas o fogo da paixão era tanto que ele ficava por vezes noites inteiras acocorado na rua, fora do prédio, conversando pela internet, já que dentro da guarita a conexão não era tão boa. Não sei como não morreu congelado. A vinda estava prevista para início de setembro. Os dias passavam e eu lidava com todas as possibilidades possíveis. Já imaginava o pobre preso, envolvido com narcotráfico e eu sem nem poder levar uma maçã ou cigarros para ele na prisão mexicana. Tentava alertá-lo, mostrar que os pontos não batiam, que as diferenças eram muitas, mas ele acreditava piamente nos 50 tons de cinza. De repente já não era ela quem viria embora para o Brasil, mas sim ele que iria morar no México. A coisa estava ficando pior. Pensem, um rapaz humilde, sem dinheiro, num país estranho, sem conhecidos e uma mulher linda, rica, poderosa, doutora (isso dizia ela), empresária, trabalhando no porto com exportação. Exportação de que, meu Pai eterno? Enquanto isso, cada vez mais mergulhado nos quilos de botox e silicones da fulana, tratou ele também de dar um tapa no visual. Gastou boa parte de suas economias em roupas novas. Estava visivelmente nervoso, pedia-me aulas de etiqueta, de como se comportar à mesa, se devia levar-lhe flores no aeroporto. Fez um empréstimo para alugar um carro e fazer o translado para cá.Encalacrou-se de dívidas, mas tudo vale em nome do amor, não é mesmo? Principalmente num amor via internet, onde tudo, absolutamente tudo é possível,até sapo virar príncipe.
Só que vida real não é conto de fadas e as 12 badaladas inexoravelmente vão acontecer. Quando o sino afinal deu seu último toque, a desgraça se fez. A carruagem virou uma simples abóbora e não sobrou nem um sapatinho de cristal na escadaria do palácio. O final infeliz conto mais tarde. A verdadeira tragédia mexicana ainda está por vir.

Um comentário:

  1. Por favor, conte o final logo, a gente esta ficando em desespero para saber!!!
    Beijossss

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