sábado, 22 de dezembro de 2012

AGRURAS DE QUEM MORA EM EDIFÍCIO

Moro em um prédio ainda novo, tem apenas três anos. É bonito, tem um certo requinte, embora não seja nenhuma das maravilhas do tipo que se espalham pela orla. É destinado à classe emergente, pessoas de um certo nível social e cultural. Fica próximo à Universidade e assim temos uma profusão de professores morando aqui. Pouco se sabe da vida de cada um. Não existe muito relacionamento entre os moradores. Também nunca vi um "barraco" acontecer, nenhuma briga, nenhum casal se engalfinhando, nenhuma mulher jogando as roupas do marido pela janela. O que acontece, se acontece, é sempre muito discreto. A maioria dos condôminos é de jovens (ou não tão jovens) casais. Há poucas crianças e vários cachorros e gatos. Temos apenas uma constituição familiar um tanto diferente. Um casal é formado por um homem e sua mulher é um travesti. E que travesti!! Linda, feminina (dá banho em muita mulher), simpática, sempre arrumada, cheirosa da bons perfumes, um cabelo de dar inveja em qualquer mortal. São absolutamente discretos, educados e gentis. Ponto para eles e para nossa pequena comunidade que os aceita com total isenção de qualquer tipo de preconceito. Contrapondo-se a essa harmonia, no entanto, temos um currículo nada notável, ou pelo menos convencional, em relação aos nossos funcionários. Se há paz entre os vizinhos e em suas vidas privadas, o mesmo não se dá com os que aqui trabalham. Isto não seria de nossa conta, se não fosse aqui o lugar onde eles tentam resolver suas querelas. Assim, tivemos um morador que de repente virou porteiro. Era um bom sujeito, sempre muito educado e prestativo, porém com sérios problemas psíquicos. A paixão pela zeladora deixou-o totalmente fora de órbita e certo dia, trancou-se na cozinha do prédio, ingeriu um monte de remédios controlados e ali ficou dormindo sobre um colchão por três dias. Recentemente foi demitido; bebia e dormia em seu turno de trabalho. Também tivemos o inverso, um porteiro que casou com uma proprietária. Graças a Deus, aí não houve nenhum problema. No início foi difícil desvincular o porteiro do marido, era confuso olhar para ele e não lhe solicitar alguma coisa. Hoje ele é apenas mais um morador. Moço bacana, bonito, gente de primeira qualidade, está a fazer feliz uma das poucas amigas que tenho aqui no prédio. Cuida dela e de seus filhos e mesmo havendo entre eles uma enorme diferença cultural, esse detalhe se apaga diante da harmonia em que levam suas vidas. Outro caso emblemático que marcou a calma rotina de nossas moradas foi a surra que a antiga zeladora ( aquela referida acima) levou de seu ex marido. Foi na calçada e a coitada apanhou com gosto. Era muito cedo, não havia ninguém para socorrê-la, assim, o miserável a lanhou de cima abaixo, sem dó nem piedade. Mesmo tendo sido feito um boletim de ocorrência o miserável voltou e a coisa só não foi mais feia porque desta vez eu estava na varanda e me pus a gritar por socorro. Ela, envergonhada e com medo de ser morta,não teve outra alternativa: pediu as contas e se escafedeu. Uma pena. Criatura querida,gostava de conversar comigo. Sinto sua falta. Mas de todos, sem sombra de dúvidas o mais estranho dos casos se deu com um outro porteiro noturno. Mas essa é uma história que fica para amanhã, pois é grande, uma verdadeira novela mexicana e merece ser contada com todas as suas filigranas.

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